terça-feira, 8 de junho de 2010

O Grande ABC, Santo André e o Projeto Eixo Tamanduatehy

















O caso da região do Grande ABC, no setor Sudeste da Região Metropolitana de São Paulo, é
emblemático no que se refere aos dilemas enfrentados pelos municípios industriais, aos desafios
colocados pela reestruturação econômica, e ao papel a ser exercido, nesse quadro, pelos projetos de
renovação urbana. Há mais de dez anos administrações locais procuram enfrentar um quadro de
desindustrialização, desemprego e queda na arrecadação, por meio de políticas sociais urbanas e
iniciativas diversas, entre as quais podemos destacar a cooperação entre as sete cidades da região,
por meio de um consórcio intermunicipal, e, no caso específico de Santo André, a proposta de um
grande projeto de renovação urbana ao longo do Rio Tamanduateí.






Na região do Grande ABC, o debate em torno do desenvolvimento social já resultou na criação de um
programa visando a erradicação do analfabetismo, de um plano de integração e complementação dos
equipamentos públicos de saúde e de um projeto voltado à reintegração social de meninas e meninos
de rua. No que se refere ao desenvolvimento econômico, decidiu-se pela criação de um pólo
tecnológico, de um programa de requalificação profissional e de outras iniciativas no sentido de
aumentar a competitividade das cadeias produtivas da região.






Uma Agência de Desenvolvimento Econômico foi criada em 1998, reunindo associações comerciais,
centros de indústria, Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), empresas do setor
petroquímico e sindicatos. Sua missão é estabelecer ações de marketing regional para atrair
investimentos, produzir conhecimento sobre os processos econômicos na região e incentivar
pequenas e médias empresas. Pelo Programa Hábitat, o Banco Mundial e o BID forneceram recursos
da ordem de US$ 300 mil para amparar essa iniciativas. Grupos de Trabalho foram organizados em
torno de sete eixos estruturantes: educação e tecnologia; sustentabilidade das áreas de mananciais;
acessibilidade e infra-estrutura; fortalecimento e diversificação das cadeias produtivas; ambiente
urbano de qualidade; identidade regional; inclusão social (29).
Integrando o Plano Estratégico Regional, esses eixos levaram a Planos de Ações, entre os quais
aquele voltado para a obtenção de um Ambiente Urbano de Qualidade. Esse eixo foi concebido não
apenas como uma série de projetos de infra-estrutura, mas também como um conjunto de programas,
ações e decisões políticas, tendo como principal meta o desenvolvimento integral do ambiente
urbano, além da melhoria contínua da qualidade de vida da população da região do Grande ABC.
Visando a redução das disparidades de desenvolvimento econômico e social do Grande ABC,
pretende-se caminhar rumo à caracterização da Região Metropolitana de São Paulo como um espaço
policêntrico e sede de uma nova cultura vivencial, prevendo-se a realização de projetos em áreas
centrais das sete cidades (parques, áreas verdes e vegetação urbana), implantação de marcos
referenciais regionais, recuperação ambiental e preservação do patrimônio cultural (30).
O Projeto Eixo Tamanduatehy nasceu em Santo André, fruto de vários processos em andamento: em
primeiro lugar, do processo de articulação regional, mobilizando as sete cidades que compõem o
Grande ABC, procurando reenfocar o planejamento urbano de forma integrada, envolvendo os
agentes sociais e questões de desenvolvimento sustentável, uma vez que a região tem 56% de sua
superfície em área de proteção aos mananciais. Em segundo lugar, o projeto Cidade Futuro, proposto
para Santo André, prevê a construção coletiva de ações de desenvolvimento local e urbano
envolvendo a sociedade civil. E, finalmente, a preocupação da administração municipal com o
processo de reconversão produtiva em Santo André.
Com a adoção das diretrizes do planejamento estratégico, emergiu a oportunidade de se estudar um
grande projeto de renovação urbana para os terrenos industriais e ferroviários situados ao longo do
Rio Tamanduateí, em uma faixa de 8 km entre o rio (canalizado e ladeado por uma importante via
marginal, a Avenida dos Estados) e a estrada de ferro. Ocupada originalmente por grandes
complexos fabris, dos quais restam alguns em plena atividade (Rhodia, Pirelli) enquanto muitos foram
abandonados, a faixa conta com excepcionais condições de acessibilidade, mas sua ocupação é
limitada pelo zoneamento industrial. Integra um eixo maior que, prosseguindo ao longo do rio e da
ferrovia, atravessa o município de São Caetano e chega aos bairros do Ipiranga e da Mooca em São
Paulo. Essa enorme extensão de áreas aproveitáveis, hoje um panorama desolador de armazéns e
fábricas decadentes ou em ruínas, constitui uma oportunidade inestimável para a renovação urbana
na maior metrópole brasileira.
Para a concepção do Projeto Eixo Tamanduatehy concorreram os exemplos norte-americanos,
europeus e argentino de projetos urbanos estratégicos. Comparecem portanto os elementos
característicos desse modelo: a visão dos pólos terciários avançados como solução para a
reestruturação do setor produtivo; o destaque para os empreendimentos culturais, as áreas livres e de
lazer; a busca do aproveitamento da dinâmica imobiliária; e a valorização do espaço público e da
qualidade espacial urbana, com vistas à qual se deveria contar com a contribuição de arquitetos
conhecidos para o redesenho do eixo. Foram colocados como objetivos específicos a criação de uma
nova centralidade metropolitana, revertendo a posição de “fundos” das zonas industriais e do ABC, a
costura entre as duas metades de Santo André, historicamente divididas pelo eixo, e a afirmação de
uma nova identidade para a cidade e para a região como um todo (31).
A construção de um novo centro regional passaria por componentes como prédios de escritórios,
hotéis, centro de convenções, espaço para feiras e exposições, restaurantes, cinemas, grandes
equipamentos culturais e outros elementos hoje ausentes na região, superando a atual dependência
em relação ao pólo cultural e de serviços localizado no centro metropolitano de São Paulo. Além
disso, prevêem-se áreas residenciais, que deverão conviver com favelas urbanizadas em alguns
pontos do eixo.
Iniciada em 1997 e ainda em andamento, a elaboração do Projeto Eixo Tamanduatehy já envolveu
propostas elaboradas por quatro escritórios de arquitetura e urbanismo (Joan Busquets, Christian de
Portzamparc, Eduardo Leira e Cândido Malta), ampliando a idéia da construção coletiva do espaço
urbano, aproveitando nesse sentido a própria diversidade de posturas urbanísticas. De certa maneira
as propostas adotaram enfoques complementares. Enquanto o projeto Busquets está voltado à
criação de áreas verdes, Leira se preocupou com as questões regional e metropolitana e com a
inserção do projeto do ponto de vista da acessibilidade. Cândido Malta priorizou a busca do
redesenho espacial e a criação de equipamentos geradores de uma nova centralidade para a
metrópole. Finalmente, Portzamparc concentrou-se na exploração do desenho das quadras e suas
volumetrias de ocupação (32).






Até o momento, a implementação do projeto esbarra em dificuldades oriundas da carência de
recursos, da propriedade privada dos terrenos e da previsão de alguns empreendimentos já
aprovados para implantação no local. Adiantando-se à intervenção pública, o mercado já havia se
dado conta do potencial da área e definido projetos para shopping centers, um centro empresarial e
uma universidade. O resultado é que as realizações efetivas se concentraram até agora na obtenção
de algumas contrapartidas por parte desses empreendedores, no sentido de promover melhorias no
espaço público (melhoramentos viários, recuperação paisagística, calçadões cobertos, criação de
áreas verdes) (33).
O processo de implementação se ressente da ausência de uma entidade com autonomia financeira e
domínio sobre os terrenos a serem renovados, a exemplo das que foram criadas em Battery Park
City, Docklands, Barcelona, Puerto Madero e nas ZACs francesas. Dessa maneira, o principal trunfo
do governo local em Santo André é o poder de regulação que permite negociar mudanças de
legislação, possibilidades de reparcelamento do solo e mecanismos de captura da valorização
imobiliária, entre outros instrumentos que poderiam viabilizar uma intervenção de maior porte,
atualmente em estudo.
O projeto Eixo Tamanduatehy prevê a criação de espaços públicos, apostando na idéia de que a
democratização desses espaços constitui um processo de redistribuição de renda e de inclusão
social. Esta poderá ocorrer não apenas por meio da ampliação do convívio social democrático nas
novas áreas a serem criadas, mas também através da criação de programas de geração de trabalho
e renda, nos moldes construídos pelo processo de articulação regional.
As questões que podem ser colocadas para o projeto se aproximam daquelas levantadas pela
experiência de cooperação intermunicipal: é possível construir efetivamente um novo tecido produtivo
que supra as necessidades de inserção dos trabalhadores atingidos pela reestruturação econômica e
pelo desemprego? Quais seriam os mecanismos que evitariam uma possível gentrificação da área,
uma vez que muitas experiências do gênero, até o momento, apontam para as tendências
excludentes do processo de atração de investimentos e de renovação urbana? É nesse sentido que
se faz necessária uma reflexão contínua sobre tais questões, com a verificação crítica das
potencialidades reais do desenvolvimento local, do alcance e dos limites colocados para os projetos
urbanos.






Considerações finais
Em face da crise econômica, da reestruturação produtiva e da redefinição do papel do Estado,
destaca-se cada vez mais a necessidade de formas de ação formuladas e implementadas em nível
local, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico. Os elementos básicos do que
Harvey denomina "empreendedorismo local" envolvem não apenas o desenvolvimento de parcerias
entre o poder público e o setor privado, mas a capacidade mais geral de articulação, por parte dos
atores e forças sociais. Partindo do princípio de que o poder de ordenar o espaço deriva de um
complexo conjunto de forças, mobilizadas por diversos agentes, o governo local deve coordenar uma
ampla gama de forças sociais, exercitando a governança urbana (34).
Lipietz aborda a mesma questão, enfocando formas intermediárias de regulação entre a dimensão
material da aglomeração urbana, o governo local, a legislação e a ação do Estado. Define o conceito
de governança como abrangendo todas as formas de regulação que não são mercantis nem
específicas do Estado. Governança seria a sociedade civil menos o mercado, mais a sociedade
política local, os notáveis e as prefeituras (35).
Muitas experiências recentes de articulação entre os setores público e privado apontam para uma
possível reorientação do poder local, com vistas à inserção de questões relacionadas ao
desenvolvimento econômico e social na agenda política (36). Todavia, o recurso à ação pontual dos
governos locais coloca o risco do acirramento dos desequilíbrios regionais e internacionais, da
mesma forma que a disputa pelos investimentos no quadro do planejamento estratégico – na medida
em que algumas localidades estão melhor equipadas do que outras na luta autônoma pelo
desenvolvimento.
Para evitar os efeitos deletérios dessa disputa, das guerras fiscais suicidas à exacerbação das
diferenças, aumentando o abismo entre regiões privilegiadas e esquecidas, é preciso contar com
instâncias regulatórias nas diversas esferas – local, regional, nacional e mesmo internacional. O
exemplo europeu, em que a perspectiva estratégica convive com um alto grau de intervencionismo e
com a multiplicação de iniciativas estatais estruturadoras, compensatórias e reguladoras, merece
atenção especial nesse sentido.
Embora somente o futuro poderá dizer se as iniciativas de desenvolvimento local terão fôlego
suficiente para superar problemas existentes e consolidar a reconversão industrial num processo de
desenvolvimento sustentável, alguns limites já podem ser assinalados Em primeiro lugar, trata-se de
um esforço que apresenta autonomia relativa e que, conseqüentemente, não pode prescindir de
políticas nacionais, estaduais e regionais de desenvolvimento. Outros limites podem resultar do
individualismo das tradicionais culturas municipalista e empresarial, da prevalência de interesses
pontuais e casuísticos na esfera local, e da descontinuidade político-administrativa, que acarretam o
risco de desestruturar esforços coletivos de longo prazo.
Quando se discutem formas de estimular a geração de trabalho e renda, também devemos levar em
conta que a maneira pela qual se dá o desenvolvimento econômico, muitas vezes determinada em
âmbito nacional, condiciona o caráter da participação dos agentes na esfera local, assim como a
distribuição da renda gerada. A reestruturação produtiva, os efeitos da crise econômica e as novas
desigualdades sociais colocam em pauta a necessidade de elaboração de estratégias que articulem
os agentes sociais no sentido de enfrentar problemas urbanos e regionais, sem negar os conflitos
existentes e a necessidade de políticas efetivas de inclusão social na escala do país.
by Carlos

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